segunda-feira, 28 de março de 2011

REFLEXÕES SOBRE O "SUICÍDIO E A ALMA " DE HILLMAN E O PAPEL DO ANALISTA.





Falar sobre morte já causa repulsa na maioria das pessoas, elas se esquivam fazem o sinal da cruz e batem na madeira. Segundo Sartre “a melhor pessoa para compreender a morte é a pessoa que está morta, por isso o suicídio é incompreensível, quem poderia falar não pode mais”. Mas e quando o assunto é suicídio? Esse é um tema “tabu”. Seja na televisão, na igreja, em casa ou em qualquer lugar. Ninguém quer falar sobre isso. Mas por quê? De certa forma isso fere algo na nossa estrutura mais primal: o instinto de auto preservação, manutenção da vida. Como se não pudessemos olhar diretamente para esse domínio oculto, ele em geral esta na sombra, e é um tema que por natureza sempre será difícil de ser apreendido. Ele é perigoso, desordenado e eternamente oculto, como se a luz da consciência pudesse roubar-lhe a vida.





A sociologia defende a preservação da sociedade e tem em suas tristes estatísticas a constatação da desintegração dos laços sociais, o Direito o enxerga como um crime hediondo e a Igreja nos ordena a viver. Já para os platônicos a filosofia é o ensaio da morte, a vida e a morte nascem juntas. Não podemos deixar de encarar a verdade: a morte e o único absoluto da vida, a única certeza e verdade. O único a priori humano. Para Camus o suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia.





Para Jung as idéias de morte têm significados diversos nos sonhos e nas fantasias para a psique nem é imortalidade de um fato nem é a morte um fim. A psique funciona em correspondência com a realidade objetiva. Hillman nos ensina que é preciso encarar o suicídio não apenas como uma saída da vida, mas como uma entrada na morte. O que a alma busca através das tentativas suicidas é dar novo significado à vida.


O objetivo da terapia junguiana é oportunizar uma forma de viver nosso mundo simbólico com alguém que possa iluminá-lo de uma maneira nova e diferente, fazendo conexões no espaço e no tempo. A pessoa traz para análise os sofrimentos da alma e os significados descobertos são expressões de uma realidade viva que não pode ser compreendida pela metáfora básica da Alma. Mas como o terapeuta deve lidar com isso? Segundo Hillman (1992) a questão para o analista não é saber se somos pró ou contra o suicídio, mas o que ele significa na psique. Será que o paciente conhece seu próprio mito?Nessa proposta clínica, busca-se relativizar, reinventar, desconstruir as certezas egóicas que por vezes se colocam reativas ao contato com elementos novos que pedem lugar. Tal proposição se justifica pela noção apresentada inicialmente por Jung, de que o eu seria uma criação ficcional, um complexo entre outros, que precisa de um campo de expressão na personalidade, porém além dele, há outros complexos que permanecem reprimidos ou simplesmente abaixo do nível da consciência.




Na analise desloca-se interiormente da historia de caso para a história de alma explorando os seus complexos mais por seus significados arquetípicos do que por sua historia traumática. A historia de alma é recapturada, separando-o de seus obscurecimentos pela historia de caso. Parece controverso, mas ela emerge a medida que abandonamos a historia de caso. (HILLMAN, 1992)



Hillman diz que a personalidade é um drama cheio de gente, onde nem sempre o Ego desempenha o papel de diretor. Pensar a prática clínica como aquele lugar onde deve sair a pessoa do analista e a pessoa do paciente, para que a análise possa acontecer. Às vezes, irrompem na sala as enormes figuras das tragédias. E todas elas serão figuras míticas. Segundo Jung: "Os deuses se converteram em enfermidades", quer dizer, a alma se manifesta à consciência através do patologizar. A psique está referida a um outro mundo, um sub-mundo, um destino ligado ao mundo dos mortos. Para encontrá-los basta olharmos para os complexos, reconhecendo neles o poder arquetípico dos mesmos. Somente uma parte deles pertence à esfera pessoal; a outra são os deuses que “forçam”, sintomaticamente, o ingresso à consciência. A psicologia Arquetípica se assenta sobre a imagem da depressão, a grande patologia contemporânea. Profundidade é como falamos cotidianamente desta depressão. Não se trata de curar a depressão, mas curar na depressão. Depressão no sentido geográfico, ou vale como diria Hillman. Além do diagnóstico, estilo de inconsciência. Melancolia e criatividade estão conectadas pelo menos desde Galeno. No vale da alma estão os potenciais criativos que nos possibilitam viver. No sentido intensivo da palavra. Para isso é preciso vivenciar a alma conforme seus significados, imagens emoções - o seu sentido. Enquanto o analista for fiel a psique, contudo ele não será leigo, ele tem seus fundamentos e neles há um lugar para a morte. O suicídio é uma tentativa de mudar de uma esfera para outra força através da morte. A morte aparece a fim de dar lugar à transformação. A morte vem primeiro como uma experiência da alma e depois a qual o corpo expira. Quanto mais imanente for a experiência da morte tanto maior será a possibilidade de transformação. (HILLMAN, 1992) As fantasias suicidas oferecem um encontro com a realidade. A depressão restringe e nos concentra no essencial e o suicídio é a negação final da existência em favor da essência as mutilações suicidas são distorções extremas desta forma de experiência da morte, o desejo corporal precisa morrer. O suicídio é então, o anseio por uma transformação rápida. O indivíduo quer morrer imediatamente porque já perdeu sua crise de morte antes. (HILLMAN, 1992) Quando empreendemos uma tarefa profissional, entramos em um papel arquetípico. O analista precisa descobrir sua posição, sua atitude de forma consciente e aberta, podendo assim modelar o vaso de sua vocação. Preocupar-se com a saúde da alma e não somente do corpo. Através da transferência deve confrontar-se com sua própria morte. Ele entra no papel de “arbitro do destino”, e, por isso, é imprescindível que haja uma forte aliança, para que seja possível compartilhar um mistério comum. Este é o símbolo vivo do processo de cura e expressa Eros mutante e envolvente da análise. (HILLMAN, 1992) Somos dignos de julgar o suicídio quando estamos tão cegos e surdos à nossa própria alma, que não fazemos idéia do que busca aquele que aborta a própria existência? O analista jamais deve tomar uma atitude de prevenção ele deve acompanhar a experiência tal como ela é, pois assim pode-se perder a alma. Toda vez que o tratamento negligencia diretamente a experiência, enquanto tal, e apressa-se em reduzi-la ou superá-la, algo está sendo feito contra a alma: por que a experiência é o alimento próprio e único da alma. (HILLMAN, 1992) O analista deve capturar as emoções, fantasias e imagens entrando no jogo e sonhando junto com o paciente. Conhecer uma historia de alma significa tornar-se parte do destino do outro. Apreender uma historia de alma requer insight intuitivo. O analista deve estar conectado, mas não em demasia senão os dois tornam-se inconscientes - um pé dentro e outro fora. (HILLMAN, 1992) Em suma o suicídio é uma tentativa de mudar de uma esfera para outra força através da morte. A crise suicida é uma maneira de experimentar a morte, e deve ser considerada necessária a vida da alma. (HILLMAN, 1992) Um novo começo que se inicia com a morte, e que marca o caminho para a vida, a individuação, em paralelo com o nascimento de um novo mundo. Araiê

Referências Bibliográficas:


HILLMAN, J. Suicídio e Alma. Petrópolis: Vozes, 1993.


GRANATO, L. A vida da Alma no mundo dos mortos: Mito e Metapsicologia em James Hillman Disponível no site: http://www.himma.psc.br/artigos/artigo_04_2k8.htm na data de 28/03/11.

5 comentários:

  1. Isso me lembrou a notícia que vi na semana passada sobre a modelo de 17 anos que ''caiu'' de um prédio em Portugal.

    Suicídio - O tabu que permanece.
    Interessante como alguns temas se tornaram banalizados como a sexualidade, religião, política, loucura, porém o suicídio continua sendo o ''pecado'' social. O assunto que deve permanecer intacto e na sombra.

    A ponto da mídia não divulgar, evitar o assunto e ainda tentar encontrar um culpado até para este fato.

    Enfim, temos muito trabalho pela frente, rsrs.

    Adorei o post! Abraços!

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  2. Morei numa cidade em consultava clinicamente um reformado do exército, o qual usava a aposentadoria para ter companhia de meninas e adolescentes, até com a anuência das mães que o exploravam. Ele me disse que era impotente e bastava-lhe acariciar as meninas e tal. Argumentei que era ilegal e perigoso andar neste fio de navalha, mas o velho me respondeu resignadamente que estava sozinho e no fim da vida e ponto final. Tempos depois soube houvera uma queixa e o delegado dera batida na casa do militar e deu de cara com uma arma apontada pra sua cabeça! O delegado experiente não esperava por essa e pensou que era o fim, mas ficou pasmo quando o velho militar voltou a arma contra sua própria cabeça e disparou. A existência é uma criação pessoal com ligações arquetípicas e artísticas. Se dispensarmos Cristo como referência arquetípica do Self podemos cair no abismo que o fio da navalha atravessa.dinartearaujoneto031@gmail.com

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    1. Sem Cristo, a alma fica sem forma e vazia.

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