*Relatos pessoais autorizados por M.C.B. (nome fictício).
“Quando eu tinha 12 anos, estava na 6ª. série tive meu primeiro divisor de águas. Já tinha tido paixonites, mas tudo mudou quando vi G. O curioso é que ele não era o mais bonito, nem o mais inteligente e muito menos popular entre as meninas. Ele era dois anos mais velho, cabelo escuro como seus olhos, sobrancelha grossa e certo ar de timidez que sumia na medida em que eu me aproximava. Sentia borboletinhas na barriga, sensação de tremores, formigueiro no corpo. Do meu coração brotou algo tão intenso e puro que não podia conter. Descobri mais tarde numa revista CAPRICHO isso se chamava amor platônico. Mas afinal o que isso quer dizer?”
Quase todo mundo passa ou já passou pela experiência do amor platônico. Isso geralmente acontece na adolescência, onde a timidez ainda é latente e as experiências apenas começaram a serem desbravadas. Sem entrar nas questões filosóficas que abarcam o tema, afinal este conceito foi distorcido desde a idéia original de Platão, descrevo o sentido do “censo comum” dado ao tema. Neste sentido amor platonico é a falta, a insuficiência e a necessidade; é o desejo de adquirir e possuir o que não se possui, é o interesse incorporado à alma. Um amor à distância, que não se aproxima, não toca, não envolve, um sentimento revestido de fantasias e de idealização.
Mudei do dia pra noite, não faltava aula por nada, viajava nos pensamentos criando cenas. Um dia fiz a grande bobagem de contar isso a uma ”amiga” sob sigilo e como bem funciona a rede de fofocas, no dia seguinte todos sabiam. As meninas caçoavam dele sumariamente e, muito mais, do que eu sentia. Descobri que o melhor amor platônico devia ser mudo, mas já era tarde demais.
Um estudo da Universidade da Basiléia, na Suíça, publicado pelo "Journal of Adolescent Health"', mostra que os efeitos da paixão nos adolescentes são os mesmos de uma síndrome chamada hipomania. Falta de sono, de apetite e emoções exacerbadas são os primeiros observados. Apaixonar-se consiste no comportamento mais irracional que o cérebro pode vivenciar tanto para o homem quanto para a mulher. Sabe aquele ato inconseqüente que só uma pessoa apaixonada costuma entender, é um estado involuntário. Do ponto de vista hormonal, a paixão realmente “cega” o indivíduo. Este estado compartilha os mesmos circuitos cerebrais da obsessão, mania, intoxicação, sede e fome. Ocorre uma intensa atividade cerebral regida pelos hormônios: dopamina, estrógeno, oxitocina e testosterona. As áreas do cérebro que se encontram ativas em uma pessoa apaixonada são as mesmas ativadas pelas drogas ilícitas (PESSOA ,2010).Portanto pode tornar-se um vício.
“Meninos são meninos, parece óbvio, mas não é. A pressão dos amigos é clara e objetiva. Imagino o peso que meu sentimento causou na vida dele naquele período, afinal ele deveria cumprir “sua função” e ficar comigo. Mas ele era, e acredito que ainda seja dono de suas idéias e não cedeu. Isso sem falar que isso diminuía em 90% as chances de ele conseguir se aproximar de qualquer outra menina no colégio... tadinho...”
O universo masculino pressiona muito os meninos nesta fase do desenvolvimento, eles são compelidos a serem o “alfa” e serem ativos a qualquer sinal de interesse feminino. Agir significa provar masculinidade e competitividade. Muitas vezes isso leva os adolescentes em formação a agirem contra seus próprios sentimentos apenas para satisfazer os pares e aliviar a tensão social. As meninas, obviamente, também vivem dentro deste modelo cultural e também esperam uma atitude, e se ele age de outra forma em geral torna-se motivo de chacota.
“Ao mesmo tempo em que este sentimento me nutria também me fazia só. Havia vários garotos interessados em mim, aqueles que todas as meninas desejavam, mas não significava nada. Tinha um que me recitava Fernando Pessoa, com 14 anos, pode? Este sentimento de estar só cresceu demais e quanto mais aumentava maior era minha intensidade e na mesma proporção ele se afastava. Mandei cartas, pichei muro, deixei minha família de cabelo em pé. Ele, apesar de ser um sagitariano digno de suas ferraduras e a situação o irritar, era muito amável comigo, e do jeito dele, respeitava o que eu sentia”.
Esse sentimento, mesmo que às vezes confunda, é extremamente normal de acontecer nesta fase, exatamente porque estão passando por uma fase onde as relações de afeto e amor ficam mais explícitas. Afinal adolescência é a fase do tudo ou nada, do choro inconsolável e dos risos incontidos. Este tipo de amor se torna uma ação prazerosa, pois possibilita o sonho, a idealização, romancear com alguém que não está ao alcance. Claro ,o ser amado está longe de ser parecido com o indivíduo projetado. A distancia apaga todas as de inseguranças e defeitos. Tudo muito bonito e até engraçado, mas nem sempre é assim, o amor platônico pode gerar muita angústia como bem descreveram Lord Byron e o brasileiro Álvares de Azevedo. Com isso vai um alerta: os pais devem estar atentos à intensidade e impacto que esta paixão tem no adolescente.Procure conversar e em casos mais graves procure ajuda profissional.
“Os anos passaram nos encontramos algumas vezes, e aquela menina de 13 anos que morava na imagem dos seus olhos escuros continuava ali. Ele guardou por um bom tempo minhas cartas e conhecia de cor e salteado a minha letra, deviam valer alguma coisa. Um dia pude entender sua versão dessa história, por mais que tenha me sentido uma “crazy stalker” entendi seu ponto de vista. Ele era apenas um menino.”
O amor platônico é por excelência um amor narcisista, no qual o jovem atribui ao outro tudo o que deseja; é um prolongamento idealizado de si mesmo. Por isso, a relação gerada não é com o outro, mas consigo mesmo. Mas explique isso a uma menina que sonha casar com seu ídolo ou seu professor? Só se pode entender este tipo de sentimento com o tempo e com distanciamento. O mundo da fantasia protege de relações reais, mantendo-as intactas e imaculadas. Como diria William Blake que "o mundo da imaginação é o mundo da Eternidade (...).a verdadeira voz da Eternidade, a Imaginação Humana". Aqui fica nítida semelhança d poeta ao modo como Platão defendia a existência dos atos de amor - só nas idéias, na imaginação.
“Até hoje me lembro da placa do carro vermelho da mãe dele chegando para buscá-lo, do seu boné velho do Knicks, dele jogando basquete e eu ali observando seus movimentos, memória é algo engraçado mesmo. Mesmo depois de tanto tempo deixo reservado pra ele um lugar único: do não-realizado e sempre será para não perder sua virtuosidade.”
Mas explicação da paixão vai muito além da filosofia, da ação bioquímica ou da fase do desenvolvimento. Envolve estrutura psíquica, habilidades sociais, criação familiar, maturidade, memórias e sensações particulares que dependendo da intensidade permanecerão ou não. O amor é o maior combustível dos poetas. Sem ele, provavelmente a poesia seria triste e vazia. Retrataria coisas da natureza, do cotidiano, mas não a essência humana. E ainda assim me pergunto alguém pode contra Eros?