terça-feira, 22 de março de 2011

CISNE NEGRO



Quem ainda não assistiu o filme veja antes de prosseguir!
Neste site é possivel fazer download ou assistir online http://assistirfilmesonline.blz/cisne-negro-legendado/


Antes mesmo de assistir o filme quando minha amiga Cauana fez uma sinopse já me apaixonei. Fiquei vidrada o filme inteiro e sai com vontade de rodopiar o Cisne Negro no pisos do shopping, mas me contive! A trilha sonora é emocionante e permite que o espectador entre no pesadelo da personagem. Eu como sou amante de cinema e ainda mais de alquimia não pude deixar de observar estes aspectos no filme, admito que foi muito prazeroso analisar esta obra-prima de Aronofski. Ela nos transporta para nossa dúbia realidade e nossas amarras, se nos permitirmos, é claro.Vamos à obra!


O filme é uma obra sensível, um suspense psicológico imerso no mundo do balé de NY. Nina é a personificação da bailarina: meiga, delicada, bonita, passiva, extremamente sensível, indefesa e infantilizada. Vive em seu mundo tendo como única companhia sua mãe e o balé. Sua meta é a perfeição técnica e, na tentativa de alcançá-la, mantém uma imagem extremamente polida e autocrítica. Seu corpo é tratado como instrumento mantendo um controle exacerbado sobre si mesma. A única forma de contato mais íntimo com seu corpo se dá por arranhões nas costas enquanto dorme. Essa obsessão faz com que ela aprisione-se em seu próprio pesadelo paranóico, que tem como conseqüências a psicose.



A companhia de dança produzirá a peça “O Lago dos Cisnes” que é um clássico, musicada e, assim, imortalizada pelo compositor russo Tchaikovsky (1843-1893) o enredo tem origem em uma lenda alemã. Apesar das inúmeras versões a lenda conta a história do amor do Príncipe Siegfried por Odete, que um feiticeiro transformara em cisne, e que só pode voltar à forma humana à noite. Jurando-lhe eterno amor, Siegfried quer livrar Odete do feitiço. Mas o feiticeiro, Von Rothbart, leva sua filha Odílie, muito parecida com Odete, ao baile em que Siegfried deveria escolher sua noiva. O príncipe se deixa enganar e jura amor também a Odílie. Devastada Odete se joga de um penhasco, morre e na morte, encontra a liberdade. Nina é o Cisne Branco, asséptico e imaculado, que nada nos lagos formados pelas lágrimas da mãe, assim como é no conto que deu origem ao balé.



O cisne símbolo alquímico de albedo é por excelência uma ave imaculada, cuja brancura, cujo poder e cuja graça fazem uma viva epifania da luz. Há, todavia, duas alvuras, duas luzes: a do dia, solar e máscula; a da noite, lunar e feminina. Ele não se fragmenta e se quer assumir a síntese das duas, como é, por vezes, o caso, torna-se andrógino e, além disso, carregado de mistério sagrado. Por outro lado existe um cisne negro, não dessacralizado, mas carregado de um simbolismo oculto e invertido. A imagem do cisne, desde logo, se sintetiza, para Bachelard, como a do Desejo, que chama, para que se confundam as duas polaridades do mundo, manifestadas pelas suas luminárias. O cisne sempre visto, pelos alquimistas, como um emblema do mercúrio. Tem dele a cor e a mobilidade, bem como a volatilidade, proclamada por suas asas.




O significado metafórico da alquimia para Jung poderia ser pode ser visto como o problema central da psicologia, a integração dos opostos. Isto é encontrado em todo lugar e todos os níveis. Isto se realiza por meio de um processo simbólico muito complicado que coincide a grosso modo com o processo psicológico da individuação. Em alquimia este processo se chama conjunção de dois princípios representando a projeção em laboratório de um drama ao mesmo tempo cósmico e psicológico. Agora, Nina começa a experimentar o mundo interior como sendo repleta de luz - o brilho inicial interior que muitas vezes é erroneamente confundida com a verdadeira iluminação.
Este é apenas um primeiro encontro consciente com o mundo etérico, e em comparação com a experiência dos sentidos físicos é para muitas almas é tão avassalador como ser retratado como uma luz branca brilhante. O cisne é uma ave que é raramente visto em vôo, mas sim de natação sobre o lago ou rio, normalmente se deslocam sobre a superfície da água em termos alma, sobre a superfície da alma, a sua interface com o etérico do físico. Esta cor branca é a segunda cor do processo alquímico. Uma cor que denota purificação, bem como uma determinação em separar o espesso do sutil.



A primeira fase da alquímica é a operação negra, estágio em que a matéria é dissolvida e putrefata. O negrume ou “nigredo” é um estado inicial, sempre presente no início como uma qualidade da “prima materia”, do caos ou da “massa confusa”; pode também ser produzido pela separação dos elementos. Se o estado de divisão se apresenta de início, como acontece algumas vezes, então à união dos opostos se cumpre à semelhança da união do masculino e feminino seguido pela morte do produto da união e seu respectivo enegrecimento.
O processo de individuação traz ao indivíduo esta realidade da psique, pois seu objetivo é tornar consciência destas oposições paradoxais da alma, buscando assim o desenvolvimento da alma do indivíduo. Para isto, porém, a Nina deve se deparar com o sombrio, com o negativo, com a depressão, que é a primeira instância alquímica, a nigredo alquímica para depois encontrar albus e reunir todas as cores. Este é o lado positivo da depressão, unir opostos, transformar criativamente a psique, promover Coagulatio. O branqueamento não implica nem numa redução da sombra, nem em sua conscientização. Ao invés disso ele significa mais espaço para carregar seus altos e baixos, sua estatura total. A alma é mais branca porque a sombra está livre da repressão e manifesta de maneiras detalhadamente conscientes.



O jogo proposto no filme intercala, principalmente, as duas etapas na psique de Nina simbolizado pelo cisne branco e pelo cisne negro. Aronofski se utiliza de cores para marcar as fases do processo. O negro, o vermelho e o branco simbolizam as antigas cores associadas ao nascimento, à vida e à morte. Essas cores também representam velhas idéias de descida, morte e renascimento — o negro significando a dissolução de antigos valores; o vermelho, o sacrifício de ilusões mantidas anteriormente; e o branco, a nova luz, o novo conhecimento que deriva de ter vivenciado as duas primeiras cores. As cores da história são extremamente preciosas, pois cada uma tem seu lado de morte e seu lado de vida.





O negro é a cor da lama, da fertilidade, da substância básica na qual semeamos nossas idéias. No entanto, o negro é também a cor da morte, do escurecimento da luz. O negro é a cor da descida. O negro é uma promessa de que Nina logo irá saber algo que antes não sabia. O vermelho simbolizado pelo sangue que ela repele em diversas cenas é a cor do sacrifício, da fúria, de matar e de ser morto. No entanto, o vermelho é também a cor da vida vibrante, da emoção dinâmica, da excitação, de eros e do desejo características que ela tenta ocultar a todo momento. O vermelho é uma promessa de que uma ascensão ou um nascimento está por acontecer. O branco é a cor do novo, do puro, do imaculado. É também a cor da alma livre do corpo, do espírito desembaraçado do físico. Quando surge o branco, tudo fica, temporariamente, tabula rasa sem nenhuma inscrição. O branco é uma promessa de que existe nutrição suficiente para que tudo comece de novo.
No início do filme fica evidente a predominância do rosa e do branco. Ela é cisne branco, mas aprisionada ainda destituído de suas virtudes, sua natureza está subjugada e reprimida sendo necessário passar pela fase negra para depois haver o embranquecimento real. O quarto de Nina, seus ursinhos e a bailarina na caixinha de música simbolizam estas características.




Com o desenrolar do filme ela começa a utilizar o cinza demonstrando a transição entre o branco e negro. No processo alquímico, parte-se do primeiro estado, caótico e pouco a pouco, essas águas com o início do trabalho alquímico se tornam cinzas, assim permanece um tempo, que é o de purificação, para mais tarde regressar à cor negra, iniciando o verdadeiro trabalho alquímico.



O filme inicia com o pesadelo de Nina no qual ela fazia o papel principal no balé “O Lago dos Cisnes”. O sonho era o prólogo da peça, cena em que Rothbart, o bruxo que se apresentava como uma ave negra, símbolo de nigredo lança o feitiço. Talvez um verdadeiro prenúncio psíquico do processo de transformação que ela viveria.



No mesmo dia em que teve o sonho ela vai à companhia de Balé, e, no caminho percebe-se um reflexo na janela do metrô de uma forma diferente. Este é sua primeira visão de Lily, personificação de sua sombra e rival. Seus reflexos praticamente se confundem.



Depois dos testes, a bailarina vai até Thomas, e esse sempre a instiga de forma enérgica para que desenvolva as características que estão em sua sombra: sensualidade, agressividade, espontaneidade. Nina nessa conversa é beijada “a força” pelo diretor e o morde nos lábios. E é essa atitude que lhe garante o papel principal. É como se nesse momento Thomas tivesse enxergado em Nina um pouco daquilo que ele buscava. Seu conselho, se masturbar, é o primeiro passo para sentir os prazeres do próprio corpo.


Thomas é a única figura masculina significativa, e se torna, para Nina seu Animus. Seu sobrenome Leroy em francês significa “O Rei”. Sua atitude apesar de sexualizada tem o papel de Mentor, permitindo que Nina traga à tona o Cisne Negro, afinal ela não sentia prazer em nada, nem na dança, nem no seu corpo, nem na vida. A libido é parte da questão existencial de Nina. A libido de Jung, aquela que o cientista afirma ser a energia psíquica que inclui a sexual é apetite, agressividade, sexualidade, fome, sede e toda sorte de necessidade e vontades.



Nina já escolhida por seu coreógrafo e diretor Thomas é questionada, mais uma vez, a demonstrar suas capacidades, já que sua fragilidade ingênua - que é perfeita para o papel de Odette porém seu jeito se ser comprometeria a interpretação de protagonista pois Nina também deve desempenhar o papel da Rainha dos Cisnes, Odile. Nina, então, é desafiada pela própria vida, pelo seu próprio mundo, a entrar em um acordo com sua psique polarizada entre a "persona" consciente, o papel de menininha da mamãe, e a sua sombra: a mulher sedutora, violenta, que ela reprime no inconsciente.



O cisne Negro é, portanto, o desafio do encontro de Nina com sua própria sombra, ou, seja, segundo Jung, com todos os elementos que possuímos, mas que são reprimidos, que não reconhecemos como sendo nossos. A questão da projeção interna no meio externo fica sugerida várias vezes pela presença de espelhos sempre presentes ante Nina. Sua maior rival no corpo de baile, a sensual e desinibida Lily é ao mesmo tempo seu alter-ego, a pessoa que estimula a eclosão do "Cisne Negro" em Nina. Lily encarna o arquétipo de Lilith, a mulher na sua forma demonizada.


Na verdade, as duas bailarinas acabam sendo expressões de Odile e Odette ao nível da disputa real, embora, na mente conturbada de Nina, Lily acabe por apresentar traços mais fortes do que realmente possui. Uma e outra personagem são metáforas das polaridades internas extremas e dos potenciais que todos possuem, mas que, aqui, se inserem mais na questão do desenvolvimento da psique feminina. A cena da boate marca o inicio da simbiose e o aparecimento do Cisne Negro em Nina. Ela se entorpece e relaxa. A cena trás uma iluminação vermelho e verde mostrando novamente os opostos e sua fusão. Para o espectador mais atento nesta cena é possível visualizar Nina por um segundo maquiada como o cisne negro, logo após uma lua e por último os olhos do cisne negro. Neste momento o Cisne Negro começa a surgir, ela enfrenta a mãe e permite-se sentir prazer com sua alucinação de Lily.


Neste momento Nina desperta para o desejo, à competitividade, ao processo de enfrentar desafios. Ela precisava somente de uma sábia imagem interna à qual pudesse se agarrar, um resquício de instinto que durasse até que ela pudesse dar início ao longo trabalho de reformulação do instinto e da percepção íntima. No fundo este é o melhor solo para semear e ver crescer algo de novo. Nesse sentido, chegar ao fundo do poço, embora extremamente doloroso, é chegar ao terreno de semeadura.
Quanto mais conscientemente uma dessas polaridades é hipertrofiada, o mesmo ocorre com a outra, mas de modo inconsciente, o que pode causar um conflito psicológico que, em casos extremos, leva ao surto psicótico. Carl Jung a chamava de sparring, ou “par¬ceira de treino de boxe”; ela é a oponente dentro de nós que expõe falhas e aguça habilidades. É a professora, o treinador, o guia que nos apóia no descobrimento de nossa verdadeira magnificência. E, quando ela começa a entrar em contato com seu lado sombrio e instintivo sua força negativa retira da consciência suas noções dependentes e confortantes de bondade. Ao desconstruir a presença na ausência, a nigredo torna possível a transformação psicológica.

O filme é recheado por duplos, o óbvio Cisne Branco/ Negro dentro de Nina que se mostra na dança e no simbólico, Nina e Lily na disputa real. Nina e Beth, que também que rivalizam na atenção de Thomas, Nina roubando seus objetos incorpora o lado sombrio de Beth que tanto lhe causa admiração. Nina e a mãe que curiosamente veste-se apenas de preto simbolizando seu lado sombrio, o complexo materno negativo. É um jogo de espelho que mergulha num “mise en abyme” alternando momentos de realidade com a realidade criada por seus delírios e alucinações.



Sua mãe, sempre “zelosa”, chega a dar arrepios no espectador, com seus cuidados invasivos. Nina sempre foi tratada como uma criança, sempre controlada e submissa. Parece uma versão moderna de Perséfone e Deméter, que precisa enfrentar seu próprio Hades podendo reconhecer-se em sua própria profundidade, sentir seus elementos aparentemente "negativos" se quiser atingir a perfeição, metáfora da individuação. No caso da protagonista, a sombra possui conteúdos invocados pela sua mãe, uma bailarina medíocre e frustrada que desistiu do sonho para cuidar da filha. Nina carrega nas suas costas fracasso da mãe. É visível o amor entre as duas, mas esse é manifestado de forma doentia por parte da mãe, como o fato dela ser a única que conhece o segredo de Nina, de ferir a própria pele. E isso acaba se tornando um elemento de manipulação da mãe, que evita que a filha cresça com a justificativa inconsciente de que sozinha ela não dá conta da pressão do mundo.



Emprestando da termos da teoria psicanalítica enfatiza-se aqui a primeira fase do complexo de Édipo o filme mostra a relação simbiótica entre mãe e filha. Não há a figura do pai, o terceiro na relação resultando numa psicose que eclode quando ela precisa separar-se. O destino de Nina fica preso ao destino da relação mãe-filha. Nina se esconde na superproteção materna, e, em contrapartida, se submete ao abuso e a tirania. O lago dos cisnes se mostra mais do que um trabalho cobiçado é um ritual de iniciação para entrar no mundo das mulheres adultas. Quando a natureza instintiva quase foi exterminada a psicose começa a dominar a cena, na forma de delírios e alucinação visuais e auditivas.
Nina tem fome de alma que implica a privação de seus atributos: a criatividade, a percepção sensorial e outros dons. Sua mãe molda sua identidade, isso fica visível na pintura dos seus retratos,ela deseja uma “sweet girl”. Como nunca lhe foi permitido viver seu lado instintivo quando ela se libera, perde o controle. Esses aspectos rejeitados, desvalorizados e "inaceitáveis" da alma e do self não ficam simplesmente ali parados nas trevas, mas conspiram para decidir quando e como Nina fará para “quebrar o feitiço” que a encarcera para alcançar a liberdade. Eles borbulham ali no inconsciente, em fervilhante ebulição, até que explodem no dia da estréia em todas as direções num caudal descontrolado.
Ela descobre que precisa encarar-se como o Cisne Negro, papel que ela não conseguia interpretar, para só assim tornar-se mulher por inteira. O filme aborda sobre tudo aquilo que se nega e desconhece em si. A jovem passa o filme lutando contra as suas unhas e as marcas que elas deixam nas suas costas enquanto dorme único momento que em que ela se permite viver este lado instintivo. Esse sintoma parece ser a única forma da sua agressividade se manifestar, mas a mãe detentora deste segredo tenta reprimi-lo, cada vez mais, podando as suas “garras” com tesouras e lixas de unha. A agressividade que deveria ser utilizada em sua legítima defesa está tão inconsciente que assume vida própria e acaba voltando contra si mesma. Assim, dá-se inicio a uma metamorfose que expressa àquilo que acontece com muitas pessoas que sucumbem à emergência do material inconsciente pela psicose.



Na tentativa de admiti-la e integrá-la, o corpo metaforicamente passa por uma mutação e incorpora os caracteres do Cisne Negro. Conforme o filme avança e Nina submerge cada vez mais dentro de si mesma e a loucura vai tomando conta. Neste primeiro ato ainda podemos avistar aquela menina doce, frágil e insegura aprisionada pelo desejo da mãe. O fundo do poço do cisne branco encarcerado é a queda no pas de deux.



Esta cena simboliza a renovação, o começo do fim. Um novo começo que se inicia com a morte, e que marca o caminho para a vida, a individuação, em paralelo com o nascimento de um novo mundo. Afinal, o objetivo de todo homem é realização da totalidade individual, com a integração de todos os aspectos de nossa personalidade originária (Grinberg, 1997). Quando volta para o camarim para a troca de roupa Nina se fere com um pedaço de espelho (na imagem de Lily) - aquele que reflete, que nos mostra quem somos e simboliza a coragem de assumir a sombra e lutar com a força de quem faz o que for preciso para obter a vitória evidenciando com maestria o arquétipo de Odile.



A maldade pura e simples, a satisfação por alcançar o seu intento. Lily encarna esse arquétipo do espírito, em seu aspecto negativo, faz com que a infantil Nina comece a morrer. Ela morre para o mundo da mãe para que esta terrível revelação de si mesma, até então, pouco conhecida e, portanto, de caráter terrível e incerto venha à tona. Está confiante o suficiente para saltar rumo ao desconhecido. Só, então, percebe o sentido da perfeição. No segundo ato ela encarna o seu lado negro, e não vai mais para o palco representar o Cisne Negro, é o Cisne Negro.



A partir da transformação em Cisne Negro (nigredo), a lavagem conduz diretamente ao embranquecimento ou então ocorre que a alma (anima) liberta pela morte é reunida ao corpo morto e cumpre sua ressurreição; pode dar-se finalmente as múltiplas cores (volta ao palco para a morte do cisne branco) - a "cauda pavonis"- conduzam à cor branca e una afinal ela contém todas as cores.
Finalmente ela entende e atinge a perfeição. A mulher e a bailarina nasceram ali, ao mesmo tempo. É preciso matar algo para que surja aquilo que podemos ser. A Nigredo, o negro, sugere a morte, a sombra, o pesado, o denso, o sofrimento. Nesse momento Nina encontra-se perdida, riste e paranóica como se algo houvesse se dissolvido Depois disso é como se o preto que é a ausência de todas as cores transformasse no branco, a presença. Só que é o branco decomposto em todas as cores por uma espécie de cristal. Muitos alquimistas representaram o desmembramento do branco com o desmembramento do corpo humano. Acontece na realidade o desmembramento da psique; mas é necessário manter essa dissociação da psique sob o controle do Ego, o que na foi possível para Nina devido à intensidade.
A busca de Nina passa pela sexualidade sim, mas esse é só um caminho para alcançar muito mais, pois através disso e da ajuda das pessoas que vivem mais sua libido do que ela, ela encara todos os pontos obscuros que são frutos de sua rigidez moral, sexual e estética. Rumo à transformação de seu personagem, ela transforma seu ser, num processo metamórfico surpreendente. Nina libera com literalmente sangue nos olhos seu lado sombrio, seguindo a intuição do artista divino em busca da perfeição, que nada tem a ver com técnico. Segundo Jung, precisamos, na verdade, aceitar a sombra e integrá-la, assim diminuindo sua influência inconsciente sobre nós.
No terceiro ato, agora vitalizada surge a imagem de Albedo, o estado lunar ou de prata, que ainda deve alçar-se ao estado solar.



A "albedo" é, por assim dizer, a aurora; mas só a "rubedo" é o nascer do sol. Na cena final, a morte do cisne simbolizado por Rubedo: ou Operação Vermelha, é o estágio em que se produz a Pedra Filosofal, o casamento alquímico. Ela sobe e atrás de si há um sol, símbolo do self e ápice operação vermelha. Para insuflar-lhe vida, deve ter "sangue", deve possuir aquilo a que os alquimistas denominam a rubedo, a "vermelhidão" da vida. Só a experiência total da vida pode transformar esse estado ideal de albedo num modo de existência plenamente humano. Só o sangue pode reanimar o glorioso estado de consciência em que o derradeiro vestígio de negrume é dissolvido, em que o diabulum (desconexão simbólica) deixa de ter existência autônoma e se junta à profunda unidade da psique. Então, a opus magnum está concluída: a alma humana está completamente integrada. O cisne branco ferido simboliza o casamento alquímico assim, o branco e o vermelho - Rainha e Rei - pode então celebrar suas "nuptiae chymicae" (núpcias químicas) nesta fase.


O processo de individuação não consiste num desenvolvimento linear, mas num movimento de circunvolução que conduz a um novo centro psíquico – o self.
Quando consciente e inconsciente vêm ordenar-se em torno do self, a personalidade completa-se; o self será, então, o centro da personalidade total, a preliminar será o desvestimento das falsas roupagens da persona. Ele representa a autonomia da psique e as relações paradoxais do Self, também encontradas constantemente nos textos alquímicos. Sua coagulação seria então concretizar, ou seja, promover a ligação Ego/Self.
Num confronto contra a própria imagem, ela crê ter destruído a sombra projetada no exterior. Mas agora o Cisne Negro a habita, reina em si, enquanto o Cisne Branco torna-se incômodo, artificial. No entanto, de tão intenso, o papel sombrio conquista o público. Ela está realizada e, ao avistar a platéia, só consegue enxergar a imagem da mãe, feliz e vibrante. Entende então que, desde o princípio, tudo o que ela lhe desejara era a felicidade, a realização e a plenitude que não conseguiu vivenciar.
A alquimia aqui pode ser às vezes muito "explosiva" e em ritmo acelerado. Nina sente que tudo está saindo de suas mãos através de seu delírio. E de repente: ouro "Opus Magnum”. Em termos psicológicos, a pedra filosofal produzida em rubedo poderia ser comparada ao que se busca no processo de individuação, ou seja, a completude do ser, o tornar-se consciente e uno, o self.
Tendo isto como realidade, a processo alquímico seria então o próprio processo de individuação, ou seja, o que gera o desenvolvimento e a transformação. Nina através da sua própria imagem projetada no espelho, retrato da sua alma humana em fase de desenvolvimento aspira ao alto voando livre das restrições do corpo preso a terra buscando a luz celestial refletindo as experiências de alquimia interior da alma, a subida da alma livre do corpo preso a terra e os sentidos físicos. Analisar sob a perspectiva do sal alquímico o vivido subjetivo assume um significado radicalmente diverso. As profundas feridas de Nina não mais somente como lacerações a serem cicatrizadas, mas como fontes de sal das quais tira uma essência preciosa e sem as quais sua alma não pode viver.


Araiê

12 comentários:

  1. Maravilhoso!!
    Fez jus ao filme.
    Parabéns!

    Cauana

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  2. Sensacional! sem palavras...Parabéns...
    Marcela/ Mama

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  3. Li várias críticas e análises sobre o filme, também através da abordagem junguiana, mas realmente essa ficou completa e muito clara!!! Orgulhinho haha =)

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  4. karakas.... muito bom mesmo. O filme é maravilhoso, mas a análise esta divina
    .

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  5. Perfeito, uma belissima analise do filme!
    Parabens!
    Gosto mto das teorias do Jung, apesar de nao aplica-la!
    Desde já estou seguindo seu blog!
    Abraços!!

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  6. Muiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiito legal!

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  7. Bacana demais sua analise!
    Percebe-se um tato mais
    sútil e certeiro na sua crítica.
    Tá de parabéns!
    Olha só, estou fazendo pesquisas
    de analises Junguianas na literatura.
    Se tiver algo a me indicar, ficarei
    muito grato.
    Pode me contatar por aqui: leokarter@hotmail.com
    Abraço e até!

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  8. Ficou fantástica a sua crítica do filme. Muito boa mesmo. Você conseguiu perceber tudo bem direitinho e descreveu isso de maneira honrosa. Parabéns (:

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  9. Artigo completíssimo! Adorei a critica!

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